Crítica | O Homem do Norte

O Homem do Norte
(The Northman)
Data de Estreia: 12/05/2022
Direção: Robert Eggers
Distribuição: Universal Pictures

Antes mesmo de chegar aos 40 anos de idade, Robert Eggers já conseguiu se firmar como um dos maiores cineastas da atualidade (confira aqui nosso Cabana RdM especial sobre o diretor). Reverenciado no círculo do horror por seus trabalhos fenomenais em A Bruxa (2015) e O Farol (2019), Eggers tem em O Homem do Norte um projeto tão ousado quanto bem sucedido, que consolida seu nome e status para um público ainda mais amplo.

Inspirado em poemas épicos do escritor dinamarquês Saxo Grammaticus (1160 – 1220), O Homem do Norte conta a história de Amleth, um príncipe nórdico que vê seu pai, o Rei Corvo Aurvandil, ser traído e assassinado por seu tio, Fjölnir, a quem jura vingança. Anos mais tarde, o agora adulto Amleth (Alexander Skarsgard) luta com um grupo de berserkers, saqueando e assassinando em vilas da antiga Rus. Durante um desses ataques, descobre um carregamento de escravizados destinado a um Fjölnir, na Islândia. Contando com a ajuda de Olga (Anya Taylor-Joy), Amleth se passa por um escravizado e parte para a distante ilha em busca de vingança.

Ao contrário do que a sinopse e o material de divulgação do filme podem dar a entender, O Homem do Norte não se trata de uma glorificação da cultura nórdica e tampouco da atividade viking. Desde os primeiros momentos, Robert Eggers nos apresenta uma paleta de cores saturada e escura, que encapsula com perfeição a brutalidade de seu universo. Ao mesmo tempo, sua câmera não hesita em mostrar as ações violentas de Amleth e de seus companheiros, muito menos como esses últimos cruelmente chacinam a população inocente sem qualquer tipo de remorso.

Os ritos e costumes nórdicos, por sua vez, são retratados de forma impressionantemente precisa e crua, dotados de um caráter bestial que busca simular o comportamento de predadores. Como nos demais filmes de Eggers, todo esse esforço de reconstituição histórica não cumpre apenas pressupostos estéticos, mas contribuem para moldar a narrativa proposta. O roteiro co-escrito pelo próprio diretor e por Sjón não pretende apenas retratar seus personagens com o menor número de anacronismos possível. Busca, também, compreender como pessoas naquele contexto histórico se relacionavam, pensavam e agiam, construindo a partir daí personagens e tramas críveis e multidimensionais.

Sendo assim, se um dado personagem crê estar lutando contra forças sobrenaturais, a câmera de Robert Eggers faz questão de apresentar tal embate em tela. E é partir destes elementos alegóricos, que envolvem deuses, valquírias e oráculos, que O Homem do Norte extrai algumas de suas mais belas e mais tensas cenas. Nesse sentido, vale destacar também a importantíssima presença de Olga, com suas crenças próprias e sua postura altiva e corajosa, brilhantemente interpretada por Anya Taylor-Joy. Alexander Skarsgard, por sua vez, entrega uma atuação digna do protagonista Amleth, com uma performance física quase animalesca que retrata à perfeição a teimosa obstinação de um homem que cresceu conhecendo apenas o ódio e a sede de vingança.

O próprio tema da vingança, embora seja peça chave para o enredo de O Homem do Norte, não é tratado de forma maniqueísta. Não há heróis ou vilões nessa história, apenas sujeitos motivados por ambição, interesse e desejo. Faz-se necessário destacar, portanto, a brilhante atuação de Claes Bang, capaz de construir em Fjölnir um homem ao mesmo tempo detestável e compreensível, capaz de fugir da caricatura lugar comum de um antagonista covarde e traiçoeiro. Quem também trabalha bem para escapar de caricaturas é Nicole Kidman como a Rainha Gudrún. Posicionando-se bem ao centro entre as figuras da donzela indefesa e da mulher perversa e ardilosa descritas em sagas medievais, sua Gudrún é verossímil e pragmática, responsável por alguns dos melhores conflitos e dilemas de todo o filme.

Todos estes pontos positivos de O Homem do Norte poderiam ter sido insuficientes, contudo, não fossem o talento absurdo de Robert Eggers e de sua montadora, Louise Ford, para dinamizar um enredo por vezes contemplativo e anticlimático. Junto de uma trilha sonora estrondosa e sempre presente e de coreografias de batalha incrivelmente bem filmadas, os 137 minutos de duração passam como um sopro. Uma sequência final tensa e arrepiante encerra com honras um filme repleto de alegorias e simbolismos  marcantes.

É interessante, por fim, traçar uma comparação entre O Homem do Norte e O Cavaleiro Verde (dir. David Lowery, 2021), filmes que se utilizam de caminhos diametralmente opostos para desenvolver temas semelhantes, sobre um pano de fundo épico. Se o filme de David Lowery talvez leve alguma vantagem em sua composição estética e na profundidade de temas e personagens, a obra de Robert Eggers prova-se muito mais dinâmica e repleta de entretenimento. Se havia alguma forma mais apropriada de representar cinematograficamente uma saga nórdica, eu desconheço.