Crítica | Sorte de Quem?

Sorte de Quem?
(Windfall)
Data de Lançamento no Brasil: 18/03/2022 (Netflix)
Direção: Charlie McDowell
Distribuição: Netflix

Quais as reais chances de se cativar o público com um filme de comédia com suspense? Em uma primeira impressão, pode parecer que quanto mais atrativos tiver um filme mais bem sucedido ele tem chances de ser. Mas, na prática, o cinema não funciona bem assim, e o mesmo pode se dizer  da culinária. Uma boa salada, por exemplo, não é feita arremessando-se legumes, frutas e verduras em quantidades e variedades exorbitantes. Quando o espectador é convidado a se sentir tenso enquanto frequentemente se vê diante de uma situação cômica que visa  provocar risos, é fácil transformar uma possível experiência agradável e envolvente em uma catástrofe completa. Portanto, ainda que em séries de televisão essa mistura de gêneros funcione um pouco melhor (como, por exemplo, na recente série A Vizinha da Mulher da Janela, 2022), devido ao maior tempo de tela para apresentar situações variadas e desenvolver melhor cada personagem, são poucos os roteiros de longa-metragens capazes de entregar um resultado de fato surpreendente.

Passados 8 anos do lançamento de seu aclamado filme de estréia, Complicações do Amor (2014), e 5 anos de seu último projeto até então (e também sua primeira parceria com a Netflix, A Descoberta (2017), o escritor e diretor Charlie McDowell continua sua colaboração com o serviço de streaming e com o ator (e neste caso também escritor) Jason Segel, para produzir um neo-thriller de comédia. Sorte de Quem? basicamente nos conta sobre um homem (interpretado por Segel) que invade a casa de férias de um bilionário, mas tudo se complica quando o arrogante magnata (Jesse Plemons, indicado ao Oscar) e sua submissa esposa (Lily Collins, cônjuge do diretor) aparecem inesperadamente para relaxar e aproveitar a casa. 

A definição de neo-thriller parece se encaixar muito bem com a obra, uma vez que a tensão de fato só começa a mostrar-se próximo ao segundo ponto de virada. Até lá, McDowell prepara o terreno com diversas situações desconfortáveis entre os donos da casa e o invasor. Situações essas que usam e abusam de todas as ferramentas possíveis para causar humor, além de renderem algumas discussões interessantes (mesmo que nada profundas) sobre meritocracia, privilégios e egoísmos. Dos diálogos irônicos e da constante falta de confiança entre o assaltante e os proprietários, e inclusive entre o próprio casal, o que rende um pequeno drama/desenvolvimento de subtrama à parte, inclusive relevante para o terceiro ato do filme.

Não dá pra negar que a obra cumpre muito bem com seus objetivos no quesito comédia. Os alívios cômicos improváveis (ainda que muitas vezes previsíveis) realmente funcionam e nos arrancam risos. Há aqui um interessante estudo de personagem e da própria sociedade contemporânea, que só é intensificado pelo ótimo trio de atores principais, que evidentemente nos seduzem com personagens multidimensionais. Enquanto os olhares distantes e o semblante afadigado de Lily Collins transmitem bem a infelicidade de sua personagem (não somente por estarem sendo roubados), a química de Jason Segel e Jesse Plemons rende ótimas circunstâncias, além de mexer com os sentimentos de angústia e indignação do espectador, não importa qual lado da história o mesmo apoie. 

Entretanto, se o filme acerta no humor inteligente e ao menos satisfaz com pitadas de um drama social pouco polido, é no suspense, ou melhor, na ausência dele, que moram seus maiores obstáculos. Além de esperar tempo demais para que os acontecimentos realmente preocupantes comecem a surgir, quando estes surgem, não duram. O espectador não se impacta com o filme tanto quanto gostaria, e em muitos momentos se vê obrigado a agarrar-se às jocosidades do enredo e das longas conversas entre os dois personagens masculinos para que não se veja diante de uma experiência no mínimo frustrante.

Além de ser um filme de praticamente única locação, que não atribui nomes aos personagens e provocantemente divide sua platéia em diversas cenas com seus questionamentos, Sorte de Quem? traz um bom ritmo de narrativa. Mesmo deixando a desejar nas cenas de tensão, o longa nos envolve com uma ótima e sutil trilha musical, que caminha por harmonias entre a apreensão e a risibilidade. Ainda que prometendo ficar pouco tempo na memória de seus espectadores, o terceiro longa de Charlie McDowell consegue ser uma aposta intrigante para aqueles que buscam um curto e diferenciado entretenimento.