Crítica | Tempo

Tempo
(Old)
Data de Estreia: 29/07/2021
Direção: M. Night Shyamalan
Distribuição: Universal Pictures

Muitas vezes chamado de gênio e outras de farsa (inclusive pelas mesmas pessoas), é impossível negar que M. Night Shyamalan é um cineasta capaz de despertar emoções fortes. Conforme surgiam as primeiras informações sobre Tempo, foi ficando muito claro que as opiniões dividiriam-se entre aqueles que amariam o filme e aqueles que o odiariam. O pôster, o elenco e, principalmente, o trailer, nos indicavam que estávamos prestes a presenciar um fenômeno muito parecido com o de “A Vila” (2004) ou “Fragmentado” (2016). E, de fato, é certamente impossível permanecer indiferente ao novo filme de Shyamalan, para dizer o mínimo.

No enredo, escrito pelo diretor com base na HQ Sandcastle (2010), Guy (Gael García Bernal), Prisca (Vicky Krieps) e seus dois filhos, Trent e Maddox (interpretados por diferentes atores e atrizes ao longo do filme) decidem passar férias no que parece ser uma ilha paradisíaca. No resort, recebem a indicação de uma belíssima praia isolada, enclausurada por rochas de algum tipo, que constituem um raro fenômeno geológico. Após algumas horas naquela praia, a família Cappa, junto com mais dois grupos, passam a experimentar o tempo de forma adulterada, amadurecendo e envelhecendo em um ritmo exponencial. Incapacitados de deixar o local, os personagens são defrontados com a excruciante possibilidade de esgotar seu tempo de vida em poucas horas, enquanto lidam com seus próprios conflitos e problemas.

Se você está lendo este texto antes de ter assistido ao filme, não se preocupe, não entrarei em maiores detalhes da trama para além da sinopse dada acima. Contudo, recomendo que você evite assistir aos trailers do filme, que entregam alguns acontecimentos bastante chave da trama. Não que Tempo contenha alguma grande reviravolta inesperada, como é o caso de tantos outros filmes de Shyamalan, mas a forma como o roteirista e diretor desenvolve sua narrativa é extremamente interessante. Distante de qualquer tipo de body ou sci-fi horror que explore os efeitos degradantes da passagem acelerada do tempo sobre o corpo humano, Old é sobretudo um estudo de personagens, das consequências que a percepção dessa mortalidade próxima têm na mente humana.

Um dos principais acertos da produção (se não o principal) está na escolha do elenco. Bernal, Krieps, Alex Wolff, Thomasin McKenzie e o restante dos atores e atrizes são capazes de apreender a essência da trama e de explorar toda a angústia e os conflitos de seus personagens. O que à primeira vista pode parecer um mero detalh, isto é, ter um elenco que entende o tipo de atuação que o roteiro pede, é na verdade determinante, separando Tempo de, por exemplo, “Fim dos Tempos” (2008). Enquanto o filme protagonizado por Mark Wahlberg e Zooey Deschanel é o clássico exemplo de uma obra terrível, que torna-se aproveitável apenas mediante altas doses de ironia, Old é verdadeiramente um ótimo filme. Dito isso, é curioso constatar que a nova película de Shyamalan de fato tenha muitas das situações e diálogos que param à beira do precipício de transformá-la em outra de suas bombas, e só não o fazem pela qualidade de sua condução e das atuações.

Muito mais comparável a seus grandes filmes do que a seus piores trabalhos, Tempo constrói-se como um excelente thriller, confrontando personagens imbuídos de bombas-relógio internas em um espaço enclausurado e claustrofóbico. Além disso, o fato de a trama não tornar-se entediante ou repetitiva ao longo de seus 110 minutos de duração, passados quase inteiros no mesmo cenário, é testemunho da competência de Shyamalan enquanto diretor. Tendo estabelecido o background dos personagens em um ótimo primeiro ato, no segundo e terceiros o cineasta faz um primoroso uso de travelling shots e de uma câmera inquieta para energizar a trama e potencializar seus conflitos.

Em seus melhores momentos, Tempo realmente se aproxima muito do nível atingido pelo cineasta em “O Sexto Sentido” (1999) e “Corpo Fechado” (2000), no sentido em que a trama é interessantíssima em seu conceito e mais ainda no rumo que é dado à história e aos seus personagens. É difícil tirar os olhos da narrativa, enquanto acompanhamos exasperados os personagens e suas tentativas de escapar da praia, sentindo na pele um medo quase primal do envelhecimento e da passagem do tempo. O temor absolutamente comum de ver a própria vida passando diante dos olhos torna-se aqui concreto e brutal.

Isso não significa dizer, entretanto, que o filme passe completamente incólume de ter seus defeitos. Há alguns momentos e diálogos que chegam perto demais da caricatura e acabam por distrair um pouco da trama. A resolução também deixa um pouco a desejar, trazendo algumas explicações megalomaníacas e mal aparadas que evocam demais o péssimo terceiro ato de Vidro, alongando de forma desnecessária o encerramento da história.

Estes pequenos problemas, no entanto, são esperados e devem ser aceitos quando compramos o pacote M. Night Shyamalan. Responsável por provocar sensações e debates cinematográficos dos mais acalorados nos últimos vinte anos, o diretor adiciona mais um filme divisivo à sua extensa lista. Eu, como um ardoroso defensor de alguns de seus trabalhos e detrator de outros, defendo Tempo sem pestanejar. O filme tem seus momentos caricatos, não há dúvida, mas quem pode realmente dizer-se surpreso com isso em se tratando de Shyamalan? Eu, particularmente, prefiro adquirir seu pacote completo do que ficar sem nenhum.