Vidro

Vidro
(Glass)

Data de Estreia no Brasil: 17/01/2019
Direção: M. Night Shyamalan
Distribuição: Disney/Buena Vista

A narrativa que se tornou predominante ao redor da estreia de Fragmentado no final de 2016/começo de 2017 foi a de um “retorno à boa forma” do diretor e roteirista M. Ninght Shyamalan. Para que acompanha o rdmcast, seria chover no molhado retomar aqui todos os desastres de bilheteria e crítica no currículo do diretor indiano, então basta dizer que o filme estrelado por James McAvoy e suas 24 personalidades aumentou exponencialmente a sensação, já levemente presente com o bom A Visita, de um comeback de Shyamalan. Mais até do que o filme em si, gerou enormes expectativas a “cena pós-créditos” incluída ao final da trama, e que mostrava David Dunn, o personagem de Bruce Willis em “Corpo Fechado” (2000), em uma cantina deparando-se, através de um noticiário, com a força colossal da Besta e decidindo impedi-lo.

Sendo “Corpo Fechado” uma espécie de “jovem clássico cult” dentro do gênero do terror, nunca foi segredo para ninguém que Shyamalan sempre teve em mente uma sequência para a história, e que lhe faltava apenas o investimento para tirá-la do papel. A promessa de um showdown entre David, Mr. Glass e a Besta passou a compor então um dos filmes mais aguardados de horror da última década (e certamente me incluo neste grupo de fãs esperançosos). Após assistir ao filme, tenho um mix de sensações estranhas que vou tentar explorar da forma mais objetiva possível ao longo desta crítica. Porém, se eu tivesse que definir em algumas poucas palavras, diria que gostei do que vi em “Vidro”, mas que não consigo evitar a sensação de que a premissa poderia resultar em um filme muito melhor do que o que assisti.

Um dos primeiros estranhamentos que tive em relação ao filme foi com relação a sua estreia. Para além do fato de o mês de janeiro ser geralmente reservado para filmes ruins que nem as distribuidoras acreditam (especialmente filmes ruins de terror) achei a estreia e recepção de “Vidro” muito morna para um filme tão aguardado. Não posso falar sobre o contexto de lançamento nos EUA, mas aqui no Brasil vi pouquíssimos trailers ou anúncios, poucos comentários na internet, e não teve nem a boa e velha cabine de imprensa. Além disso, a recepção nada calorosa da crítica norte-americana para com o filme, que está com apenas 35% de aprovação no rotten tomatoes, pode ter contribuído para a bilheteria apenas mediana (o filme rendeu 40 milhões de dólares durante seu fim de semana de estreia. Não é desastroso, mas também longe de ser excepcional).

De qualquer forma, acabei tendo de gastar uma parte de meu suado dinheirinho para ir ver o filme, e logo de cara saltou aos meus olhos a estranhíssima estrutura narrativa proposta pelo roteiro. Apesar de usar a divisão clássica de uma trama em 3 atos, o roteiro de Shyamalan dedica apenas cerca de 20 minutos para o primeiro ato, mais de uma hora para o segundo, e os cerca de 40 ou 50 minutos restantes para a resolução. A história começa basicamente onde terminou Fragmentado, com Kevin/Patricia/Hedwig/outros 21 personagens que constituem a Horda sequestrando jovens garotas “normais” para serem oferecidas à Besta em um ritual. Acompanhando os acontecimentos de perto, David Dunn e seu filho Joseph, que monitora as “caminhadas” do pai na parte de trás de sua loja de produtos para segurança privada, buscam o esconderijo da Besta para salvar 4 garotas recentemente sequestradas. Outros acontecimentos, que não irei revelar, se desenrolam e tanto a Besta quanto David acabam presos em uma clínica psiquiátrica, onde também se encontra Elijah Price (Mr. Glass) comandada pela Dr. Ellie Staple (Sarah Paulson), que defende a tese de que os 3 sofrem de uma condição clínica que os faz acreditar terem habilidades sobre-humanas.

Com esta premissa, “Vidro” tinha tudo para ser facilmente um dos melhores filmes de horror do ano. No entanto, a estrutura capenga do roteiro acaba deixando o filme com muito mais cara de um spin-off ou algum tipo de “especial de natal” paralelo à franquia do que do episódio final de uma trilogia. Isso porque o primeiro ato de “Vidro” é apressado demais, dando a impressão de que Shyamalan confiou demais no desenvolvimento de personagens feito durante as histórias anteriores. O principal problema é que esta nunca foi pensada desde o princípio como uma trilogia, de modo que as peças não se encaixam naturalmente e precisariam de uma bela polida para se complementarem de forma mais harmônica. Afinal, Elija e David sequer aparecem em Fragmentado, que gira em torno apenas de Kevin, incluindo somente uma cena pós-créditos com uma ligação forçada a “Corpo Fechado”.

Um primeiro ato mais completo, além de estabelecer melhor o momento atual do arco de cada personagem, criando uma melhor conexão entre nós e eles, serviria também para desinchar o segundo ato, que começa logo quando David e Kevin são encarcerados na clínica psiquiátrica. O destaque desta arrastada porção do filme acaba ficando para a excelente atuação de Sarah Paulson, que funciona tão bem como a psiquiatra Ellie Staple a ponto de quase nos convencer de suas teorias sobre os supostos distúrbios mentais dos personagens, mesmo levando em conta tudo o que já vimos estes fazerem nos filmes anteriores. Excelente também está Samuel L. Jackson na pele do egomaníaco e genial Mr. Glass, um vilão clássico de história em quadrinhos no melhor sentido do termo. James McAvoy também está novamente incrível na sua interpretação das múltiplas facetas de Kevin, que aparecem aqui em maior quantidade e ainda melhor qualidade de atuação do que em Fragmentado. Bruce WIllis por sua vez… é Bruce Willis, como sempre, não há muito o que comentar.

Em contraste com a boa dinâmica estabelecida entre estes 4 personagens principais estão os 3 coadjuvantes, Joseph Dunn (Spencer Clark), Casey Cooke (Anya Taylor-Joy) e a mãe de Elijah, Mrs. Price (Charlayne Woodard), que mais parecem figurantes, tamanha a sua falta de agência em maior parte da trama. Muito por conta disto também, a história acaba ficando presa demais à mesmice das cenas na clínica, uma vez que não há nada interessante acontecendo do lado de fora que nos fornecesse um escape a rotina de entrevistas e provocações de Ellie. Outra consequência disto também é o fato de que David Dunn acaba parecendo deslocado na narrativa, que soa muito mais como uma continuação de Fragmentado com o acréscimo do personagem do que a terceira parte de uma trilogia da qual ele faz parte. Acredito que ele poderia servir mais a trama conduzindo investigações do lado de fora, ao invés de ser utilizado apenas no terceiro ato e desperdiçado no restante do filme.

Outro fator que em muitos momentos ajuda o filme e em muitos atrapalha é a direção inconstante de Shyamalan. Em algumas sequências, seu estilo de filmagem com câmera na mão e planos bem fechados no rosto dos personagens serve para elevar a tensão e a imersão nos acontecimentos. Em outros momentos, este mesmo estilo torna a ação simplesmente ridícula, com movimentos toscos da Besta tentando “abraçar” suas vítimas até a morte. Aliás, em “Vidro” perde-se muito da tensão que Shyamalan havia criado em Fragmentado utilizando ambientes fechados e escuros. Aqui, os cenários abertos e muito iluminados evidenciam o médio orçamento do filme e a incapacidade do diretor de aplicar efeitos práticos na ação, apelando para um CGI muitas vezes de baixíssimo nível. Tudo isso colabora para que os momentos de ação do filme sejam totalmente óbvios e sem graça, parecendo resultado das tentativas de um cineasta amador de copiar a Marvel.

Somando-se uma em cima da outra, estas falhas narrativas e visuais acabam por prejudicar em muito o clímax do filme, que é fraquíssimo e acaba por elevar a constante sensação de que estava faltando algo e que “Vidro” é bem “menos bom” do que poderia ter sido. Felizmente, a já aguardada reviravolta a la Shyamalan no final do filme consegue manter um certo grau de surpresa e se encaixar relativamente bem com os demais pontos da trama, justificando alguns elementos que pareceriam furos de roteiro. As explicações, no entanto, são por demais delongadas e acabam por evidenciar o excesso de auto-confiança e a dependência de Shyamalan em seu estilo de plot twists como resolução de suas histórias. No fim das contas, a sensação agridoce que “Vidro” deixa ao seu término corresponde bem com a do restante do filme, de um spin-off estranho de uma trilogia que nunca se concretizou. Sobrou vontade para fazê-la e faltou planejamento; clássico Shyamalan.