Crítica | Um de Nós Está Mentindo (1ª Temporada)

Um de Nós Está Mentindo (1ª Temporada)
(One of Us Is Lying)
Data de Lançamento: 18/02/2022 (BR)
Criação: Erica Saleh
Distribuição: Netflix

Em 2017, um pouco depois desse estilo de “cyberstalker” – fomentado para adolescentes principalmente pelas séries Gossip Girl e Pretty Little Liars ficar mais em baixa para o público alvo, Karen M. McManus lançou Um de Nós Está Mentindo, seu livro de estreia com uma pegada muito similar a essas séries de meados da década de 2000.

O livro, que ficou por algumas semanas em primeiro lugar na lista dos mais vendidos segundo o The New York Times, ganhou uma adaptação para TV em 2021. A primeira temporada, com oito episódios, chegou ao Brasil e nos apresenta uma boa adaptação de mídias, mas que manifesta os mesmos problemas do livro. 

Em Um de Nós Está Mentindo acompanhamos um grupo de quatro estudantes que passam a ser investigados depois que um de seus colegas de classe, Simon Kelleher (Mark McKenna), é morto enquanto os cinco estavam na detenção. Simon possuía um site que expunha os segredos de todos os alunos da escola, fazendo com que os quatro tivessem motivações de sobra para querê-lo morto. 

Tanto o livro quanto a série apresentam os mais famosos estereótipos da cultura pop adolescente como nossos protagonistas. Bronwyn Rojas (Marianly Tejada) é a nerd aparentemente disposta a tudo para ser a número #1 do colégio, Nate (Cooper van Grootel) é o criminoso que esconde um bom coração, Addy (Annalisa Cochrane) é a princesa que acaba precisando trilhar sua independência e Cooper (Chibuikem Uche) é o atleta com um segredo que pode destruir suas chances de crescer no baseball.

Todos os temas abordados na série são muito pertinentes. Abuso familiar, relacionamento tóxico, pressão social, bullying. São temas atuais e muito em voga no entretenimento para abordar a cultura de abuso da sociedade – especialmente a sociedade escolar dos EUA. Aqui, unindo isso tudo ao mistério e a investigação, faz com que a série desperte certo interesse em quem a assiste. O problema é a superficialidade de tudo isso associada ao texto raso, atuações fracas e um mistério insonso. 

Um de Nós Está Mentindo acertou ao trocar certos elementos do livro, adicionando cenas e momentos para transformar cerca de 380 páginas em oito episódios de quase 50 minutos cada, além de um final que altera alguns acontecimentos – deixando tudo um pouco mais melancólico. Apesar disso, é bem difícil se envolver com os personagens quando eles falam e agem de formas completamente diferentes à medida que os episódios passam. Os diálogos são completamente sofríveis em mais da metade do tempo e a investigação morna.

Pode-se até dizer que “é uma série adolescente… não precisa ser a coisa mais complexa do mundo” – e eu concordo. Mas a Um de Nós Está Mentindo trata o tema de cyberstalking como se fosse algo muito inovador, sendo que Pretty Little Liars em 2010 tratou de uma maneira muito mais assustadora e cruel – antes de se perder no meio de suas diversas temporadas. Inclusive, toda essa maior interação de um “vilão virtual” é algo criado para a série, já que no livro a situação é diferente ao que envolvem as publicações de Simon. 

Sobre os segredos obscuros dos personagens, a maior parte é bem crível. Todos eles – com exceção de Nate, na verdade, já que o segredo dele é totalmente público – tinham chances genuínas de serem assombrados pelo que procuravam esconder. Mas é engraçado que a polícia procure investigar mais sobre eles quatro do que sobre a pessoa misteriosa que está os acusando ao controlar o blog de alguém que foi assassinado… Não existe um hacker neste departamento de polícia para dar conta disso?

Algo complicado também são os momentos de interação entre os personagens. Todas as interações entre eles, como um grupo, é desinteressante ou irritante. Quando partimos para as duplas, as coisas ficam melhores como os momentos de investigação entre Bronwyn e Addy, ou o momentos entre Addy e Nate. A paquera entre Bronwyn e Nate, o clichê que mais funciona no livro, enfraquece na adaptação justamente pela pouca faísca que surge entre os atores. 

(Gostaria de fazer um parênteses aqui para a direção complicada da série. Em um dos episódios o Cooper van Grooten, ator que faz o Nate, esquece de fazer seu sotaque americano. Em uma momento o ator começa a falar com seu sotaque natural, australiano, super carregado… e fica por isso mesmo).

Os coadjuvantes aqui ganham brilho e em diversos momentos acabam ofuscando os protagonistas. Em especial, Maeve (Melissa Collazo) irmã mais nova de Bronwyn, que surge com um envolvimento diferente do livro. Ela incorpora o espírito de personagens de Gossip Girl para cenas que são tão boas quanto bregas – com direito a quebra da quarta parede duas vezes. Além dela, Janae (Jess McLeod), melhor amiga de Simon, também ganha novas características e história. Ela acaba se transformando em uma personagem punk rock direto dos anos 2000 que entrega bons momentos. 

Outra coisa bem engraçada é a fotografia da série. Ao usar um tom amarelo e ensolarado para mostrar o presente dos personagens, ela decide colocar um filtro que estoura todas as cenas de tão claro que é para os flashbacks, similar aos filtros dos filmes de baixíssimo orçamento da produtora Afterdark. Apesar de fugir do clichê do “presente sombrio”, eles poderiam ter estudado uma maneira melhor de ilustrar o passado.

Apesar de descascar a série, duas coisas são dignas de reconhecimento. A forma que o livro foi adaptado, mantendo essência e momentos chaves, mas ainda assim alterando diversos pontos foi muito bem feito o que mostra que eles tinham um bom conhecimento da obra original. Também o fato de que é muito difícil parar de assistir. Tal qual um acidente de carro, depois que você começa a ver, quer acompanhar até o fim. 

Um de Nós Está Mentindo entrega uma primeira temporada que conversa bem com seu público alvo e que, apesar de um suspense inegavelmente batido, provavelmente vai conseguir te envolver. A série já foi renovada para uma segunda temporada que provavelmente vai abraçar o lado mais PLL da coisa – e que, provavelmente, vai para um caminho diferente da sua continuação literária, Um de Nós é o Próximo, já que o livro é contado a partir do ponto de vista de outros personagens principais.