Resenha HQ | Chacal Os Crimes da Rua Arvoredo

HQ Chacal – Os Crimes da Rua do Arvoredo.
Arte e Roteiro de Ton Messa
Revisão de texto de Valéria Stüber

Porto Alegre, século XIX, um serial killer aterroriza a cidade. Foram vários assassinatos e um mistério: o que aconteceu com os corpos das vítimas? Estaria a resposta naquele açougue na rua da ponte? Linguiça feita com carne humana e consumida pela sociedade porto-alegrense? Canibalismo ou não, os crimes aconteceram e ocultaram os fatos. O motivo disso ninguém soube, até agora.

Com essa sinopse é introduzida a história em quadrinhos Chacal. Baseada em fatos que aconteceram em Porto Alegre/RS, na primavera de 1864, quando José Ramos e Catarina Palse matavam pessoas e transformavam suas vítimas em linguiça (que era vendida e muito apreciada pela sociedade), os brutais assassinatos ficaram conhecidos como Os Crimes da Rua Arvoredo.

Registros dão conta de que José Ramos era filho de uma indígena com um soldado português, combatente na Guerra dos Farrapos (1835-1845). Nascido em Santa Catarina, ele matou o próprio pai ao defender sua mãe de violência doméstica. Após o crime, viajou e foi morar em Porto Alegre, onde acabou tornando-se policial. Violento e temido em sua profissão, José Ramos inacreditavelmente era conhecido como um cavalheiro gentil que apreciava peças de teatro.

José Ramos conheceu Catarina Paulsen, com quem manteve um relacionamento. Não se sabe quando precisamente o casal iniciou a série de crimes. Registros dão conta de que eles frequentavam bons locais públicos e checavam, com antecedência, quais homens ali eram ricos e poderiam ser seduzidos por Catarina. A preferência era por estrangeiros, já que Catarina não falava português. Então, ela os levava ao casarão de um cúmplice, o açougueiro Carl Claussner, na Rua do Arvoredo (atual Rua Coronel Fernandes Machado).

No casarão, Ramos roubava os pertences das vítimas e depois as matava e mutilava. De lá, os corpos eram transportados em pedaços até o açougue de Claussner, na Rua da Ponte (atual Rua Riachuelo). Claussner desossava as partes das vítimas, triturava, misturava com carne bovina, sal, pimenta e especiarias e transformava em linguiças. A “iguaria” era vendida ao público, mas o trio não comia. Ossos e outros restos foram queimados.

O açougueiro Claussner começou a relatar que estava infeliz em Porto Alegre e que pensava em ir embora para o Uruguai. Temendo que ele pudesse denunciá-lo, José Ramos o matou e o enterrou no quintal do açougue. Catarina e José Ramos tomaram posse do casarão e do açougue, e diziam a quem perguntava que haviam comprado as propriedades de Claussner. Com a morte do açougueiro, a fabricação de linguiças humanas acabou, pois o casal não tinha expertise para isso.

Posteriormente, já arrependida, Catarina relatou as últimas mortes para a polícia. Ela confessou também o assassinato de Claussner. Com a denúncia, descobriu-se que as vítimas eram transformadas em linguiça, tendo diversos restos sido encontrados enterrados no quintal. Em 1864, após um longo julgamento, José Ramos e Catarina Paulsen foram condenados, ela a 13 anos sob regime de trabalhos forçados e ele à morte.

Existem registros de que José Ramos teria sido avistado livre após a condenação. Possivelmente, ele foi solto por intermédio de um indulto. Na época, Dom Pedro II governava o Brasil e não concordava com a pena de morte. José Ramos negou os crimes até morrer doente, cego e sozinho na Santa Casa de Porto Alegre, em 1893. Catarina Paulsen saiu da prisão em 1877 e morreu em 1891.

Como um caso tão chocante passou despercebido da nossa história? O fato é que, na época, Dom Pedro II proibiu a veiculação deste caso em todas as mídias e mesmo os autos deste processo, que se encontram na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, estão incompletos, o que leva a crer que existia o interesse em escondê-los.

Mesmo com esses esforços, a história rodou o mundo e chegou a ganhar o título de “O maior crime da Terra”. Essa repentina notoriedade levou o pesquisador Charles Darwin a se manifestar através de uma carta aberta, documento este que possivelmente inspirou a obra Sweeney Todd, já que as duas histórias têm muitos elementos em comum.

Os quadrinhos criados por Ton Messa não são uma descrição literal destes acontecimentos, mas envolvem um novo mundo cheio de conexões inesperadas, pseudociência e misticismo, aproveitando as lacunas e mistérios não desvendados do ocorrido para criar uma atmosfera ainda mais interessante e tenebrosa sobre os crimes.

Lançado originalmente em três edições, o projeto passou por uma reformulação em um único exemplar, com 56 páginas de história e mais 8 páginas com material inédito. O quadrinho, que já circulou anteriormente pelo cenário underground de Curitiba, agora com esta nova roupagem está sendo lançado como uma série no Instagram do autor, @ton_messa, e em breve estará em campanha de financiamento coletivo no Catarse.

Chacal é uma HQ que relata fatos ocorridos no Brasil, com uma arte bem acabada e roteiro baseado em material coletado em registros históricos. Uma ótima opção para os apreciadores de true crime e da literatura de horror, que você pode acompanhar em capítulos na série publicada no Instagram do autor até o lançamento do projeto completo.