O Clube dos Canibais
Data de Estreia no Brasil: 03/10/2019
Direção: Guto Parente
Distribuição: Olhar Distribuição
Sangue e crítica social são os dois elementos formadores de O Clube dos Canibais (2018). No longa de Guto Parente, Otávio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios) são um casal da alta sociedade do Ceará que divide um prazer bastante incomum: degustar carne humana. Tudo vai bem até que Gilda descobre um segredo de Borges (Pedro Domingues), deputado conservador e líder do clube. A partir desta descoberta, a vida do casal passa a ser ameaçada. Apesar do discurso de lealdade para com os membros do clube, Borges não admite o vazamento de segredos e intimidades.
Falando dos pontos positivos, o destaque principal vai para a trilha sonora de Fernando Catatau, que em muito ajuda na ambientação da trama. O Clube dos Canibais possui forte potência crítica, porém peca em alguns aspectos técnicos. A crítica feita pelo filme, por exemplo, é mais crua se compararmos com aquela feita em Bacurau (2019), além disso a narrativa se mostra pouco trabalhada. O principal problema é o excesso de elementos de construção dos personagens. Talvez o diretor explique um pouco demais. A caracterização da elite canibal poderia ter sido feita com mais sutileza. Isso pode ser visto nas frases que os membros do clube proferem, sobre como a Europa seria o primeiro mundo, enquanto o Brasil seria o país da esculhambação, ou sobre como flanelinhas deveriam morrer. Contudo, apesar de uma aparente artificialidade, as frases emitidas pelos canibais representam opiniões presentes na elite brasileira. Embora esses pequenos problemas se façam presentes, eles não atrapalham o envolvimento do espectador com o filme. O Clube dos Canibais reproduz uma crítica antiga, mas que é sempre pertinente.
A história parece uma mistura entre o livro Casagrande e Senzala (1933) e o filme A Sociedade dos Amigos do Diabo (1989), com pitadas do controverso Nekromantik (1988). A elite canibal usa seus empregados tanto para o prazer sexual quanto para o deleite gastronômico. Aliás, no filme, o sexo é um elemento inseparável do canibalismo, tanto na casa de Otávio e Gilda, quanto nos encontros secretos do clube. Somos apresentados a um voyeurismo doentio que só se satisfaz quando a violência se sobrepõe ao sexo.
Há um recorte claro de raça e de classe utilizado pelos membros clube para escolherem sua próxima refeição. É muito significativo quando Otávio, que o filme dá entender já ter matado um número considerável de homens negros, ao se deparar com a necessidade de matar um homem branco diga a sua esposa indignado: “não somos assassinos”. Outro importante momento é um discurso proferido por Borges durante um encontro dos canibais – no qual apenas os homens podem comparecer – em que ele ressalta que o clube é formado por defensores da família, cujos inimigos são “aqueles que querem transformar o nosso país num país de miseráveis, de delinquentes, de pederastas”. Importante ressaltar que o clube é formado por ricos homens brancos, adúlteros, entusiastas do patriarcado e com problemas no que se refere à sexualidade.
Parente nos apresenta um filme com muita potência crítica, que entretém, diverte e nos faz pensar não só na atual situação política do país, mas também no papel histórico de nossas elites. O Clube dos Canibais é um filme que merece ser assistido. Torcemos para que filmes como esse continuem a ser produzidos no Brasil. O horror nacional também tem muita qualidade.