The Eyes of My Mother

 The Eyes of My Mother
Data de Estreia no Brasil: não prevista
Direção: Nicolas Pesce

(Aviso: esta crítica conterá spoilers. Estejam avisados rsrs)

Há algo que precisa ser dito: “The Eyes of My Mother” não é um filme de terror, na verdade definir este filme é uma tarefa um tanto quanto complicada. Após muitos minutos pensando o melhor que consegui categorizar este é longa é como um drama de horror, construído numa aura poética, macabra e bizarra. O que contribui para isso é abordagem intrigante de Nicolas Pesce que assina roteiro e direção, com o cineasta parecendo querer se afastar de qualquer forma convencional de narrativa para construir um filme original ao abordar a história de vida de uma psicopata – e me perdoem os leitores, mas é realmente difícil argumentar quanto ao filme sem adentrar (nem que seja de forma breve) em alguns acontecimentos da estória.

Assim, a própria divisão de períodos que o filme adota (“Mãe”, “Pai”, “Família”) funcionam como atos que comentam de forma pungente a personalidade da protagonista Francisca (Olivia Bond na infância e Kika Magalhães quando adulta). No primeiro e segundo segmento é fascinante compreender como o filme aborda o relacionamento de Francisca com sua mãe de uma forma que realce a sua psicopatia, ainda que uma carga de empatia seja transmitida a personagem. Dessa forma, os primeiros sinais do psicológico perturbado desta já podem ser conferidos na forma metódica com que Francisca lida com o assassino de sua mãe (limpando calmamente a cena do crime e alimentando o cativo ao longo dos anos), e é realmente revelador notar como a perspectiva de sua mãe acerca de que humanos e gado não são muito diferentes é elevada à enésima potência quando Francisca guarda pedaços de suas vítimas dentro da geladeira, ou mesmo na rima temática presente no ato de a garota retirar os olhos dos mortos assim como sua mãe retirava dos bois.

Quanto a passagem intitulada “Pai” é extremamente interessante perceber as rimas envolvendo o personagem de Paul Nazaki, que interpreta o pai da garota, e Charlie (Will Brill), o indivíduo preso em cativeiro por Francisca ao longo dos anos. Se em superfície o filme já indica o espelhamento no relacionamento da protagonista com os dois homens como figuras “paternas” (Charlie é trazido para dentro da casa quando Francisca lamenta a solidão de perder o pai), ao investigar mais à fundo percebemos que estas cenas revelam mais sobre a relação da personagem com seu pai pelas atitudes que ela toma com Charlie – e reparem, por exemplo, como o filme realça um sub-texto de pedofilia entre pai e filha que é sinalizado quando Francisca se deita na cama com o pai e é aflorado na relação sexual entre ela e seu prisioneiro.

Estas rimas visuais são um ponto importante na abordagem de Pesce, já que o diretor parece investir em enquadramentos similares para, de uma maneira econômica e elegante, passar informações para o espectador, algo que é explorado de maneira mais aberta nas duas cenas em que Francisca aparece limpando o sangue do chão em dois pontos distintos do longa, com o diretor elucidando a violência do segundo momento (que jamais vemos acontecer) apenas pelas similaridades das situações. Mas o filme também se beneficia de toques mais simples nos enquadramentos do diretor, como nos dois planos plongès que se encontram no início e no final da narrativa para amarrar as pontas do filme na perspectiva com que nós espectadores observamos e julgamos toda a situação do alto.

Pesce ainda utiliza de quadros estáticos ao compor imagens evocativas de uma beleza icônica por retratar muitas vezes cenas de violência de forma poética, o que não deixa de ser curioso do ponto de vista da psique da protagonista. Para construir tais imagens o longa se beneficia da fotografia estonteante do diretor de fotografia Zach Kuperstein, que trabalha num preto e branco fosco, como se ao fundo da imagem pudéssemos notar uma possibilidade de luz que alegrasse aquele ambiente sufocante, mas que jamais vinga sobre o ambiente. A parceria dos dois “diretores” cria momentos que encantam em seu apuro estético de poesia mórbida – e meu momento favorito talvez seja o assassinato de Charlie, o qual os realizadores filmam como uma cena de sexo enquanto uma faca penetra diversas vezes a carne do indivíduo, com direito a um beijo no pescoço ao final do ocorrido.

Contando com aspectos técnicos grandiosos, o filme peca somente em alguns poucos momentos da narrativa, onde se entrega a uma abordagem um tanto quanto pretensiosa, com a edição do filme utilizando muitas vezes de longos takes não muito necessários ao enredo e que se sustentam no filme por sua beleza estética, ou mesmo na decisão equivocada de colocar o final do filme no começo da projeção, transformando justamente o elemento surpresa da originalidade da estória em um exercício de previsibilidade. Mesmo assim, “The Eyes of My Mother” merece nosso respeito por pensar fora da caixa, por criar uma narrativa na qual nos engajamos por sua atmosfera inquietante, mas acima de tudo, por tratar o cinema de horror como a nobre arte que este realmente é.