Crítica | Desalma (1ª Temporada)

Desalma
(Unsoul)
Data de Estreia no Brasil: 22/10/2020
Criadora: Ana Paula Maia
Distribuição: Globoplay 

Desalma foi este ano para o Brasil, uma das produções mais fascinantes que tivemos o prazer de conferir. Criada e escrita por Ana Paula Maia, a série Original Globoplay conquistou seu público no terror, no suspense e no drama nacional. Anunciada como uma série sobre bruxaria, a obra, que já possui segunda temporada confirmada, vem chamando cada vez mais atenção entre os assinantes da plataforma e conquistando a curiosidade dos amantes da temática através do positivo boca a boca nas redes sociais.

Na série, acompanhamos Giovanna (Maria Ribeiro) juntamente às filhas Melissa (Camila Botelho) e Emily (Juliah Mello), que após receber a notícia do falecimento de seu marido Roman (Nikolas Antunes), tenta recomeçar a vida na cidade natal do mesmo. Ao tentarem se incluir na sociedade de Brígida, elas desvendarão segredos e conhecerão até os costumes mais antigos da cidade como a celebração da festa de Ivana Kupala (de origens pagãs), além de descobrirem que nessa enigmática cidade nem tudo é o que parece.

Enquanto expõe todas as fortes diferenças culturais entre qualquer capital imensa, populosa e industrializada como São Paulo (cidade de Giovanna e suas filhas) e uma cidade pequena carregada de tradições e costumes próprios como Brígida (fundada por imigrantes ucranianos), a obra, que se passa em duas épocas (2018 e 1988), se atém à uma boa apresentação dos personagens e de quais respectivas famílias fazem parte. Aos poucos vamos conhecendo os anseios daqueles moradores durante o presente, e entendendo através de flashbacks os acontecimentos de 30 anos atrás, e como estes influenciam na vida e no relacionamento de toda a cidade nos dias atuais.

A série, embora vendida de tal forma, não aproxima tanto o público dos costumes e do cotidiano das bruxas de Brígida, mas garante um interessante apelo sobrenatural que ronda todos os episódios e contribui significativamente para a desconstrução do estereótipo relacionado frequentemente à bruxas, seja na caracterização visual das personagens, quanto no próprio estilo de vida das mesmas. Tudo parece original, verídico. Mesmo sendo evidente a inspiração da obra em outros seriados europeus da Netflix como a minissérie francesa Le Chalet (2018) ou mesmo a famosa série alemã DARK (2017-2020), a identidade própria de Desalma está sempre presente em sua narrativa carregada de romance, segredos escondidos, rivalidades familiariares e perdas irreparáveis.

O terror que perpassa a vida de determinados personagens como o garoto Anatoli (interpretado magistralmente bem pelo jovem Joao Pedro Azevedo) e a bruxa Haia (Cássia Kis, como sempre muito bem), rende cenas assustadoras, orquestradas com esmero pelos diretores João Paulo Jabur, Carlos Manga Jr. e Pablo Müller. É impossível não comentar sobre a extrema importância da trilha de Alexandre Faria em Desalma. Ainda que em alguns momentos não nos convença com melodias eletrônicas exageradas, muitas das músicas (belíssimas) evocam através de vocais, acordes de violoncelo e notas de piano o suspense necessário para manter nossa atenção e curiosidade sobre aqueles personagens e aquela cidade.

A produção dos Estúdios Globo impressiona ao nos transportar com facilidade para uma região antiga, desconhecida pela maioria dos brasileiros, provando mais uma vez o quão belas e misteriosas são as paisagens do sul do Brasil, mais especificamente, a Serra Catarinense. Enquanto a colorização de cores quentes nos ambientam em uma Brígida de 1988 jovial e radiante, os tons frios dos figurinos e toda a rusticidade da cenografia nos remetem a um 2018 sombrio, que ainda paga pelos pecados de suas famílias ali residentes.

Com uma história cativante repleta de descobertas e reviravoltas, Desalma, ainda que nem sempre seja tão imprevisível quanto pretende, evidencia o potencial nacional em elaborar um suspense de qualidade, acreditando na capacidade de seu público buscar por respostas enquanto reflete sobre a índole de cada personagem. Sabendo amarrar com inteligência suas subtramas e desenvolver bons arcos de personagem, a série se encontra como uma ótima surpresa de 2020, sendo facilmente uma das melhores séries brasileiras dos últimos tempos.