Crítica | Lamb

(Lamb)
Data de Lançamento: 24/09/2021 (Islândia)
Direção: Valdimar Jóhannsson
Distribuição: A24

Quando o assunto é conferir um novo filme distribuído pela produtora A24, saber o que esperar é simplesmente indispensável. Responsável por diversos longas aclamados de horror e suspense dos últimos 7 anos, entre eles A Bruxa (2015), Hereditário (2018) e Midsommar (2019), o estúdio nova-iorquino também é conhecido por produzir e distribuir obras de outros gêneros, principalmente dramas. Para os fãs de terror, é extremamente importante ter isso em mente, pois pode evitar possíveis frustrações provenientes de falsas expectativas, muitas vezes geradas por um material de divulgação equivocado. 

O mais novo longa distribuído pela A24, Lamb, foi definitivamente um novo alvo das expectativas incorretas de seu público, pois seu trailer transmite uma atmosfera misteriosa partindo de elementos visuais bizarros, algo que, na maior parte do tempo, não é sustentado pelo filme. Este é mais um caso de um drama com certos elementos sutis que remetem ao gênero de horror, e que pode facilmente decepcionar os espectadores que aguardam por algo próximo dos filmes citados acima – filmes esses que, de uma forma ou de outra, ajudaram a reforçar a discussão em torno da polêmica do pós-horror.

No filme, que se passa na Islândia, acompanhamos María (Noomi Rapace) e seu marido Ingvar (Hilmir Snær Guðnason), fazendeiros que não podem ter filhos e que lutam para saciar a fome de mais um dia que se inicia. Ao depararem-se com um intrigante recém-nascido durante o parto de um de seus cordeiros, o casal resolve adotá-lo e criá-lo como se fosse um filho. Enquanto a perspectiva inusitada de vida familiar lhes traz conforto e alegria, algo drástico parece estar cada vez mais próximo de acontecer.

É complicado falar de Lamb sem entregar seu primeiro ponto de virada. Trata-se do suposto milagre: o inesperado nascimento de um “bebê-ovelha”, que possui ao mesmo tempo características físicas humanas e bovídeas. O choque e o estranhamento instantâneos do público conforme a câmera gradual e delicadamente revela essas características é a principal força de Lamb. Apostando no incomum para gerar desconforto e incertezas, ainda que a criatura aparente ser graciosa e inofensiva na maioria do tempo, o roteiro do filme encontra situações variadas para nos mostrar o quão selvagem e até egoísta pode ser o ser humano. Infelizmente, as frutas podres do enredo começam a se mostrar logo no início de seu segundo ato, com a chegada de Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), irmão de Ingvar, à fazenda.

Bom seria se a narrativa resolvesse alimentar suas discussões com sabedoria, e não incluir subtramas pouco úteis para o desenrolar da história. O roteiro, escrito pelo próprio diretor em parceria com o escritor e poeta Sjón (Sigurjón Birgir Sigurðsson), conhecido por suas composições para Björk e Lars von Trier, opta por posicionar o personagem de Pétur como uma possível ameaça, que a princípio apenas intensificaria a tensão já existente naquela fazenda, algo que tristemente não acontece. Ainda que o personagem sirva para alguns bons alívios cômicos, a tensão sexual existente entre ele e María não demonstra serventia à trama, além de impactar negativamente o já vagaroso ritmo da obra, afetando nosso envolvimento com a experiência, por mais que seu primor técnico seja inegável.

Promovendo inúmeros questionamentos quanto ao limite da interferência humana na natureza e na vida animal, Lamb nos encanta com suas paisagens de tirar o fôlego, extremamente acentuadas pela ótima direção do estreante Valdimar Jóhannsson, que enquadra seus personagens à distância, de maneira criativa, valorizando a mise-en-scène de cada sequência. A atriz Noomi Rapace, por sua vez, surpreende com sua interpretação carregada de nuances realistas, trazendo o que de mais natural e inspirador há em uma mãe. Quem também merece aplausos é o compositor Tóti Guðnason, que, com melodias desarmônicas, causa a inquietação e a apreensão necessárias para que não nos sintamos confortáveis em nenhum momento, ao contrário dos personagens, que não esperam pelo pior.

Lamb, que dificilmente poderia ser classificado como um filme de horror, expõe na verdade os horrores das atitudes humanas. A verdade é que ao romper o ciclo natural das coisas nos tornamos menos merecedores de compaixão. O ser humano sempre usou de sua superioridade intelectual para se colocar acima dos outros animais, e, pelo menos aqui, essa presunção implica em um preço a se pagar. Controlando muito bem o que mostra, o que deixa subentendido e o que não faz questão de explicar, o diretor permite que juntemos as peças e liguemos os pontos. Afinal, aqui a ausência de respostas convida o espectador a interpretar cada situação à sua forma, um exercício criativo cada vez mais escasso diante do imediatismo que demanda os dias atuais.