Jogo Perigoso
(Gerald’s Game)
Data de Estreia no Brasil: 29/09/2017
Direção: Mike Flanagan
Distribuição: Netflix
Pelo menos para mim, “Jogo Perigoso” surgiu absolutamente do nada. Com um nome em português que só não é mais genérico porque “Jogos Mortais” já havia sido utilizado, este filme baseado na obra de Stephen King (Gerald’s Game) praticamente brotou no catálogo da Netflix. Me lembrando muito “O Convite” pelo fator surpresa, “Jogo Perigoso” faz o inesperado ao conseguir elaborar uma história complexa e com temáticas profundas em torno de um plot muito básico (daqui a pouco aparece alguém chamando de post-horror). Falando em plot: Gerald e Jessie são um casal de meia idade que decide passar um final de semana em uma casa no lago e, para “apimentar” a relação, levam algemas para a cama. Quando Gerald tem um ataque cardíaco fulminante enquanto Jessie ainda está presa, ela se vê sozinha frente a uma situação assustadora. Em todos os sentidos.
Confesso que não gosto muito do primeiro ato de “Jogo Perigoso”. O filme cria uma interação artificial demais entre o casal na tentativa de explicitar seu distanciamento emocional. Jessie e Gerald acabam parecendo duas pessoas que acabaram de se conhecer, não um casal que está a mais de 11 anos juntos e que passam por problemas. Outro ponto negativo neste começo é a direção de Mike Flanagan. Responsável por direções muito inventivas em “Hush” e “Ouija: A Origem do Mal”, Flanagan usa enquadramentos muito distantes, que não nos permitem construir com a protagonista a proximidade empática que o roteiro exigia. Além disso, o diretor emprega uma lógica completamente despropositada de zoom-ins e zoom-outs que não contribuem em nada narrativamente e só nos distraem da trama.
Felizmente, no entanto, em seu segundo ato “Jogo Perigoso” dá um enorme salto de qualidade, em todos os aspectos. Fiquei imaginando quais seriam os artifícios utilizados pelo roteiro para gerar suspense a partir da difícil situação de ter sua protagonista algemada à cama e imóvel. O que ele faz, entretanto, é ainda mais engenhoso. Com uma dosagem precisa de flashbacks e cenas de alucinação, o filme vai muito além de um mero suspense situacional, passando uma mensagem verdadeiramente profunda sobre trauma e submissão. Neste sentido, a edição precisa consegue criar um ritmo muito envolvente para o filme, disfarçando uma mensagem profunda com uma camada de entretenimento capaz de fazer meia hora de exibição parecerem 5 minutos.
Outro aspecto que melhora muito é a atuação de Carla Gugino. Atriz com um ótimo potencial que acabou o desperdiçando em péssimas escolhas de projetos, Gugino é a atriz perfeita para o papel. O grande destaque de sua interpretação a capacidade que demonstra de transmitir muitas emoções conflitantes e opostas ao mesmo tempo. Mergulhando na psiqué confusa de sua personagem, ela consegue nos passar ao mesmo tempo temor e confiança, determinação e desilusão, arrependimento e euforia. A atriz é a alma do filme. Ela recebe, porém, grande suporte de Bruce Greenwood, simplesmente incrível como o prepotente e agressivo Gerald. Flanagan, por sua vez, passa a se utilizar de uma lógica muito funcional de planos mais fechados no rosto dos atores e outros que simulam um ponto de vista da personagem, permitindo-nos finalmente adentrar em sua mente e viver a situação junto com ela. A lógica visual do filme no que diz respeito à sua metáfora com um eclipse que acontece no presente e nos flashbacks é também extremamente competente.
Após um clímax surpreendente, inventivo e envolvente, “Jogo Perigoso” faz uma escolha bastante arriscada para encerrar o ciclo de sua história. Não acho que a forma optada por abordar tal conclusão tenha sido a melhor possível para encapsular a conclusão e “moral da história” pretendida. No entanto, não deixa de ser admirável a coragem do roteiro em propor algo tão original. “Jogo Perigoso” se encaixa, por fim, na categoria de boas surpresas de lançamentos originais feitos pela Netflix. Vou continuar dando meu suado dinheiro à empresa todos os meses, mas torço pra que suas produções tenham cada vez menos Adam Sandler e cia. e mais terrores inventivos e surpreendentes.