Crítica | Them (1ª Temporada)

Outros
(Them)
Data de Lançamento: 09/04/2021
Criador: Little Marvin
Distribuição: Amazon Prime Video

As semelhanças entre o filme “Nós” (2019) e a primeira temporada da nova série antológica da Amazon Prime Video vão muito além da abordagem do gênero de horror para questionar convenções sociais e apontar o sentimento horrível causado pelo racismo em suas diferentes camadas. E não, não estamos falando de ambos os títulos das obras serem pronomes pessoais (rsrs). A principal equivalência está na dificuldade que os dois roteiros possuem em conciliar seu posicionamento crítico com as cenas de horror que se propõem a elaborar. Embora Jordan Peele tenha nos trazido uma trama com mais espaço para metáforas e alegorias em seu segundo longa-metragem, o criador, roteirista e produtor da série Them, Little Marvin, busca por sua vez ser mais objetivo, nos apresentando uma história cativante, mas assim como Peele, ainda pecando onde não deveria.

Ambientada na década de 50, a série acompanha a família Emory, que após um passado traumático no Sul dos Estados Unidos, decidem recomeçar em um bairro predominantemente branco de Los Angeles. O pai da família, Henry (Ashley Thomas) e sua esposa Lucky (Deborah Ayorinde) parecem determinados a enfrentar o racismo da cidade e de seus vizinhos, por mais difícil que seja. Porém é quando fenômenos sobrenaturais começam a acontecer que a vida de toda a família começa a ser colocada em perigo.

Them apresenta muito bem seus personagens, além dos conflitos sociais e do racismo existente nos anos 50, visivelmente muito mais escancarado do que nos dias atuais. Sem tentar esconder ou amenizar as condições cruéis vividas por negros na metade do século passado, a belíssima direção nos coloca exatamente na pele dos membros da família, nos causando dor a cada olhar ou xingamento expressando pelos personagens brancos, seja no bairro com Lucky, no trabalho com Henry, ou no ambiente escolar de Ruby (Shahadi Wright Joseph), a filha mais velha do casal. Tudo isso gera no espectador uma imediata empatia pela coragem e determinação dos Emory. As atuações também desempenham um papel fundamental nisso. Enquanto Ashley Thomas e Deborah Ayorinde se destacam em seus protagonismos, é a coadjuvante Alison Pill quem rouba todas as cenas como sua vizinha megera e odiável.

O roteiro trabalha, em segundo plano, com temas como sentimento de culpa, recuperação de traumas, autoaceitação e diversos outros. Mas exatamente por tentar falar sobre tudo isso em uma narrativa mal dividida, acaba por não se aprofundar satisfatoriamente em nenhum deles. O ritmo arrastado afasta o espectador em incontáveis momentos, impedindo que a trama se desenvolva naturalmente e nos conquiste pela força de seus personagens. O terror aqui tem seus bons momentos, mas acaba muitas vezes se resolvendo de forma preguiçosa (jump scares), além de conflitar diretamente com o drama social existente em todos os episódios. O que a trama constrói bem nos primeiros episódios, deixa cair por terra a partir da segunda metade da série.

Esteticamente a obra impressiona em todos seus episódios. Nomes conhecidos do horror como Ti West e Craig William Macneill (diretor do recém chegado à Netflix, ‘O Garoto Sombrio‘), entre outros cineastas competentes, garantem uma direção impressionantemente fluida e organizada, com enquadramentos interessantíssimos. Através de tons pastéis, o design de produção e a fotografia caminham juntos para transmitir a falsa tranquilidade e ao mesmo tempo o desconforto existente naqueles ambientes.

É curioso notar a influência da deliciosa soundtrack (composta apenas de músicas da época que vão do jazz e do soul ao funk) na composição das cenas, quase sempre provocando o sentimento inverso do que a cena nos apresenta. Esse choque de emoções convence na maior parte das vezes, mas se torna repetitivo e previsível com o tempo. Porém a trilha musical originalmente composta para a série, pelo qualificado Mark Korven (compositor da trilha de ‘A Bruxa‘), nos tira arrepios em várias sequências, utilizando a tensão crescente para nos deixar na ponta de nossos sofás.

A indecisão do enredo quanto a onde pretende ir, frustra e cansa o espectador. Em certos momentos (não poucos), sua insistência em tentar trabalhar o suspense, o drama e o terror na mesma cena não funciona e acaba afetando o potencial individual de cada um dos gêneros. Ao final, Them choca e agrada em vários momentos, mas deixa a entender que teria mais êxito caso tivesse uma primeira temporada mais curta e trabalhasse essencialmente em cima do drama de seus personagens.