Crítica | Feria: Segredos Obscuros (1ª Temporada)

Feria: Segredos Obscuros (1ª Temporada)
Feria – La Luz Más Oscura
Data de Lançamento no Brasil: 28/01/2022 (Netflix)
Criação: Agustín Martínez e Carlos Montero
Distribuição: Netflix

É de se questionar a enorme dificuldade que boa parte das obras televisivas de horror e suspense encontram diante da tarefa de conduzir uma história de mistério sem entregar respostas fáceis, nos fisgando com personagens realmente interessantes. Se a Netflix já nos trouxe peculiares séries/minisséries de suspense sobrenatural, como a dinamarquesa Equinox (2021), a célebre Missa da Meia-Noite (2021) e até a recente Arquivo 81 (2022), é necessário reconhecer que nem só de flores vive o jardim da plataforma. A nova série espanhola original do streaming, Feria: Segredos Obscuros, demonstra a melhor das intenções em seus episódios iniciais, propondo uma promissora jornada pelo desconhecido enquanto tenta desenvolver histórias de amor, intrigas e propósitos narrativos que nem sempre servem positivamente à trama, ofuscando diretamente o potencial de sua premissa sobrenatural.

Na série, acompanhamos as irmãs Sofia (Carla Campra) e Eva (Ana Tomeno), que têm suas vidas viradas de cabeça para baixo após descobrirem que seus pais encabeçaram um ritual que contou com um desfecho fatal para inúmeros moradores da cidade de Feria. Agora, com seus pais desaparecidos, ambas se tornam as principais suspeitas da investigação policial. Enquanto buscam por respostas, as irmãs enfrentam uma nova realidade repleta do ódio dos familiares dos participantes do ritual, uma mídia que busca tirar qualquer informação possível sobre o incidente e o pior, um perigoso embate com o sobrenatural que pode custar suas vidas.

Buscando elaborar arcos de seus variados personagens, a série opta por um caminho demasiadamente novelesco que, além de não se apresentar de maneira tão acessível ao espectador quanto deveria, simplesmente não reconhece o tempo de tela que tais arcos deveriam tomar. Diferentemente da ótima série alemã, DARK (2017-2020), Feria: Segredos Obscuros, não constrói um sólido e convincente relacionamento familiar e temporal entre os tantos personagens que compõem as famílias de sua pequena cidade. Devido à falta de personalidade e importância narrativa dos mesmos, há sequências durante a segunda metade da temporada em que surpreendentemente nos pegamos questionando de quem exatamente tal personagem é filho, pai ou irmão, algo que evidentemente já deveria estar claro em nossas mentes. 

Em pouco tempo notamos um curioso e infeliz detalhe de oposição entre as duas personagens principais e suas intérpretes. Enquanto a fiel e destemida protagonista Sofia teria, a princípio, qualidades e inseguranças quase que suficientes para nos carregar consigo durante 8 episódios de 40 a 60 minutos, a inexpressividade da atriz Carla Campra, pelo menos neste papel, afeta o envolvimento do público e impede que levemos a sério muitas das cenas colocadas como ameaçadoras. Por outro lado, a atriz Ana Tomeno, que interpreta Eva, se encontra em uma performance enérgica e estimulante diante de uma personagem sem traços marcantes ou bagagens significativas para justificar sua forte presença em cena. Entretanto, quem rouba a cena de imediato  são os atores Isak Férriz e Ángela Cremonte, interpretando respectivamente um esforçado e explosivo investigador de polícia e uma amargurada mulher que busca no sobrenatural uma espécie de salvação e fuga de seus problemas pessoais e de sua vida indigna.

Inegavelmente, há qualidades em Feria: Segredos Obscuros. Em seus momentos mais inspirados, a série nos seduz com aspectos visuais sombrios e um conteúdo enigmático e fantasioso que permeia toda a temporada. Ainda que limitado pelas imprecisas subtramas do roteiro, o sobrenatural e a forma como o ritual se constrói gradativamente, em pequenos passos, conseguem ser realmente interessantes. Entretanto, outro grande problema da série parece ser o fato de almejar acima de tudo uma segunda temporada que se debruce em explicar tantas das perguntas sem respostas (mesmo que nem tão relevantes assim) presentes em seu primeiro ciclo. O mistério se alonga demais e aos poucos põe-se a perder o ritmo, até tornar-se angustiantemente vagaroso aos olhos do espectador. Já nos dois últimos episódios da primeira temporada percebemos que não teremos tão cedo as respostas que buscamos, e que a narrativa definitivamente desperdiçou quaisquer possibilidades de valorizar sua trama satisfatoriamente idealizada nos quatro primeiros capítulos.

Há formas saudáveis e encantadoras de se manter o suspense em torno de personagens e questionamentos sem soluções. Enquanto o brilhante roteiro de séries como a norte-americana Servant (Apple TV+) e a brasileira Desalma (Globoplay) sabem disso e usam dessa sabedoria para construir enredos penetrantes, a nova série espanhola da Netflix comprova não ter nem mesmo parte dos cuidados necessários para manter nossa atenção e assegurar nosso envolvimento. Feria: Segredos Obscuros tenta agradar a todos os gostos em uma história fraca, que não conecta suas informações e deixa escapar o melhor que sua premissa tinha a oferecer.