Crítica | O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface

O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface
Texas Chainsaw Massacre
Data de Lançamento no Brasil: 18/02/2022 (Netflix)
Direção: David Blue Garcia
Distribuição: Netflix

Não seria exagero dizer que 2022 é o ano mais repleto de homenagens diretas aos filmes de terror da segunda metade do século XX. Filmes estes que marcaram épocas e definiram subgêneros, como por exemplo o slasher. Se iniciamos o ano com a ótima continuação de Pânico em janeiro, o ano ainda promete e muito com lançamentos como os reboots de Evil Dead (1981), Chamas da Vingança (1984), Hellraiser (1987) e principalmente Halloween Ends, o aguardado terceiro e último capítulo da nova trilogia dirigida por David Gordon Green. Isso tudo sem falar de um novo capítulo de Olhos Famintos (2001), que, embora por pouco não se enquadre no século XX e nem possua a mesma importância para o gênero que os demais filmes citados anteriormente, possui uma grande legião de fãs. Porém, o mínimo que se espera é que esses tributos se mostrem algo além de simples promessas, e que façam jus ao legado de suas franquias/antecessores.

Dentre essas tão esperadas homenagens, não podemos esquecer a nova produção de slasher que teve seus direitos adquiridos pela Netflix, e que acaba de ser lançada na plataforma. Quase 50 anos após o lançamento de O Massacre da Serra Elétrica (1974), produzido, roteirizado e dirigido por Tobe Hooper, um dos mais imortalizados, revolucionários e perturbadores filmes de horror da história do cinema, os fãs possuem mais uma chance de ver o temido vilão Leatherface serrando, marretando e assassinando brutalmente suas vítimas. Nada que já não tiveram há pouco tempo, afinal a última produção relacionada ao clássico foi o longa Leatherface, lançado em 2017, meros 5 anos atrás, e que inclusive marcou o último envolvimento do cineasta Tobe Hooper com a franquia, mesmo que na produção executiva, visto que o mesmo viria a falecer em agosto de 2017, antes mesmo do lançamento do filme.

É curioso que, para muitos, foi exatamente a refilmagem de 2003, dirigida por Marcus Nispel e protagonizada por Jessica Biel, a responsável por “iniciar”, se não impulsionar definitivamente, essa nova febre de remakes e sequências modernas dos clássicos de horror dos anos 70, 80 e 90. Tal febre despertou no início do século XXI, se fortaleceu durante a década seguinte e permanece frequente até os dias atuais, seguindo firme e forte nas bilheterias mundo afora. Mas, sem mais delongas, vamos ao que interessa e ao que você, leitor, realmente está ansioso para saber.

Anunciado como uma sequência direta do clássico de 74 (ignorando as demais refilmagens e continuações), O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface se passa exatamente 50 anos após os brutais acontecimentos de 1973, envolvendo os 5 jovens Pam, Kirk, Jerry, Franklin e Sally, a única sobrevivente (eternizada pela atriz Marilyn Burns, “rainha do grito”, falecida em 2014). Neste futuro mais que próximo (2023), acompanhamos Melody (Sarah Yarkin) e Dante (Jacob Latimore), dois jovens empresários que chegam a Harlow, uma cidade fantasma texana, acompanhados de Lila (Elsie Fisher), irmã mais jovem de Melody, e Ruth (Nell Hudson), noiva de Dante. Suas atitudes despertam a ira do cruel Leatherface, que não mede esforços para perseguir e tirar a vida dos novos visitantes da pior forma possível.

Dirigido por David Blue Garcia, o novo longa já deixa claro o foco de seu discurso: questionar a presunção, a soberba, a ingenuidade e a futilidade dos jovens tecnológicos do mundo atual. O próprio clássico de Tobe Hooper nos apresentava, entre tantos comentários sociais como, por exemplo, a mecanização dos abatedouros da época e suas possíveis consequências sociais, uma possível crítica à arrogância de jovens acostumados com a vida urbana para com moradores das regiões rurais. Isso se evidencia através de pequenos e comumente despercebidos comentários, como aquele feito pelo personagem Franklin (cadeirante) logo após o grupo de amigos dar uma carona para o estranho mochileiro na beira da estrada, dizendo para seus amigos “A família toda do cara é vampira”, sendo deselegante com o mochileiro que claramente ouviu tal ofensa. Ainda que muitos espectadores de primeira viagem não notem a ligação, o longa se aproveita de tal observação (encarada inicialmente de maneira cômica) para, logo no terceiro ato, nos impactar com a razão dos assassinatos da família: alimentar o já decrépito avô com sangue humano. 

Baseando-se nesta linha de argumento, o novo filme amplia satisfatoriamente a temática levemente pincelada pelo longa de 74, inclusive em algumas situações propositalmente jocosas, algo que seria ótimo se não fosse, lamentavelmente, uma das poucas qualidades da obra, junto à boa (ainda que breve) interpretação da sempre competente Alice Krige (Maria e João: O Conto das Bruxas, 2020) e à ótima trilha musical do saxofonista Colin Stetson, compositor da trilha de Hereditário (2018) e de A Cor que Caiu do Espaço (2020). Quem assina o roteiro aqui é a dupla uruguaia Fede Alvarez e Rodo Sayagues, responsáveis pelo sucesso de ótimas produções como o remake de Evil Dead (A Morte do Demônio, 2013), O Homem nas Trevas (2016) e até mais recentemente a série Calls, original da Apple TV+, uma das melhores surpresas de 2021. É difícil reconhecer e aceitar que a dupla tenha prestado tamanho desserviço ao legado da franquia, que, convenhamos, com exceção do longa de 2003, pouco nos convenceu e fez valer a pena o tempo investido.

Logo no primeiro ato, notamos que Mark Burnham, que interpreta Leatherface neste novo longa, ainda que apresente uma boa linguagem corporal, foi caracterizado porcamente pelo departamento de maquiagem e cabelo. Até mesmo em um momento no escuro notamos que o rosto do vilão, sem nenhuma máscara, não possui nenhum tipo de irregularidade, deficiência ou “imperfeição”, características pelas quais o personagem se fez tão conhecido ao longo das últimas 4 décadas. Outra falha extremamente prejudicial do roteiro reside na tentativa de fazer da sobrevivente Sally Hardesty (desta vez interpretada por Olwen Fouéré) uma espécie de Laurie Strode em Halloween (2018), que agora volta com sede de vingança para tirar a vida de seu traumático inimigo e agressor. Porém, isso não apenas não funciona devido a falta de carinho da trama no que tange à construção da personagem e sua bagagem, como também interfere ainda mais no possível protagonismo feminino compartilhado entre Melody e Lila. Divisão esta que  por si só já era negativa, visto que a necessidade de distribuir o protagonismo entre duas personagens diante de um tempo de tela curto (81 minutos) faz com que nenhuma delas alcance a importância de um papel tão relevante para a franquia, anteriormente ocupado por atrizes como Marilyn Burns (em 74), Caroline Williams (em 86), Renée Zellwegger (em 95), Jessica Biel (em 2003), Jordana Brewster (em 2006), Alexandra Daddario (em 2013) e Vanessa Grasse (em 2017).

Não é difícil acreditar que teria sido muito mais coerente e vantajoso para a história (ou seria menos danoso?!) manter o protagonismo apenas nas mãos de Lila, interpretada por Elsie Fisher, dando alguma utilidade a seu passado traumático? Sem nenhuma razão específica, ainda nos primeiros 30 minutos de filme, o roteiro resolve esboçar um inconveniente resquício de trauma da personagem, que sobreviveu a um massacre/tiroteio em uma escola. Esse desenvolvimento mal concluído gera questões e mais questões acerca de sua real necessidade para a trama. Além disso, diversos outros personagens secundários surgem na história, dando a impressão de que serão alguma espécie de heróis, ou ao menos minimamente importantes, o que não acontece. E sendo isso uma intenção ou não do roteiro de Alvarez e Sayagues em reforçar o quão fracos e despreparados são tais personagens frente ao vilão, não fortalece o enredo de nenhuma forma. 

O fator “arrogância dos jovens urbanos”, aliado a um desentendimento entre Dante e Melody com a mãe de Leatherface, quase provoca um perigoso sentimento de identificação do público com as intenções do antagonista, até porque parte desse sentimento já é naturalmente alimentado pela verdadeira intenção da platéia ao conferir filmes slasher: ver mortes brutais e muito sangue, algo que, devemos admitir, não falta aqui. Mesmo atendendo a este fan service no quesito gore, O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface deixa muito a desejar quando o assunto é desenvolver a empatia do espectador com a situação vivida pelos personagens, além de possuir uma desfavorável estrutura de construção de seus 3 atos, diretamente enfraquecida por cenas desnecessárias e pelo excesso de personagens descartáveis.

Pela falta de um objetivo maior, de uma razão pela qual criar uma continuação, o novo longa da Netflix, produzido por Kim Henkel (co-roteirista do clássico de 74), se mostra um entretenimento limitado e extremamente esquecível, sem nenhum propósito assertivo senão o de lucrar às custas da fama de uma franquia já defasada por inúmeras continuações infrutíferas. Abdicando de qualquer atmosfera e ambientação que marcaram o longa de Tobe Hooper, o novo capítulo se apega apenas ao horror visual e visceral, único elemento capaz de chocar os mais sensíveis. Caso não queira  se frustrar e tropeçar em suas próprias expectativas, resta ao espectador, se for fã da franquia, simplesmente se agarrar às pequenas referências visuais e temáticas de um vilão perpetuado como um dos primeiros e mais impiedosos assassinos mascarados da história do cinema.